Com passos lentos e acompanhados por um respeitoso e emocionado silêncio da plateia que lotou o Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, os cientistas Zilton Andrade (93) e Sônia Andrade (89), professores e pesquisadores eméritos da universidade, dirigiram-se na tarde de ontem (13.03) à mesa que abriu oficialmente a participação da Ufba no Fórum Social Mundial. Ao chegar aos seus assentos, não foi preciso dizer uma só palavra para que que o casal, referência nas pesquisas sobre patologias tropicais, fosse aplaudido de pé. O mesmo silêncio de reverência, seguido de calorosos aplausos, marcou a apresentação de canto lírico em homenagem ao Mestre Didi, artista plástico e expoente da cultura afro na Bahia. A apresentação musical ficou a cargo de sua filha, Inaicyra Falcão, que conduziu o público à emoção ao cantar à capela um cântico de origem africana.
A valorização das artes e da ciência, destacando o papel essencial da universidade pública para o desenvolvimento das nações, será a marca da participação da Ufba no evento internacional, que se realiza em Salvador até o próximo sábado, dia 17. "Somos uma universidade pública, gratuita, inclusiva e de diversidade, e que tem realizado a produção do conhecimento com toda a sua força e ambiguidade, pois se nossas estruturas, em algum momento, podem até servir às elites, também têm no seu destino o servir à liberdade e à democracia", declarou o reitor João Carlos Salles, enfatizando que "a Ufba tem a honra de ser parceira do Fórum Social Mundial".
Toda a produção científica da universidade e a importância dada às artes, sobretudo, as que mais enfrentaram preconceitos, a exemplo das obras ligadas ao candomblé, simbolizaram, durante a solenidade, os principais argumentos da Ufba para protestar contra o corte de verbas para as ações acadêmicas. "Sem ciência, sem futuro", dizia uma das faixas assinadas pela universidade durante o cortejo que se seguiu à solenidade na Reitoria. Integrado pelo reitor, professores e estudantes, o grupo fez o trajeto até o Campo Grande, unindo-se à manifestação maior promovida pela organização do Fórum Social Mundial, que seguiu em marcha até a Praça Castro Alves.
No Cortejo, um boneco gigante, representando o Meste Didi, dançava ao som da Oficina de Frevos e Dobrados, do Maestro Fred Dantas, que também recepcionou, com a mesma sintonia temática no repertório, os participantes do evento na Reitoria. Eram os "africanistas", como apresentou o maestro, exibindo o detalhe, com temas africanos bem coloridos, no traje predominantemente branco da orquestra.
A solenidade
Antes de mesmo de seguir o Maestro Fred Dantas junto ao cortejo da Ufba na Marcha do FSM, uma das participantes do evento, que se vestiu de verde e amarelo incorporando a personagem "Tia Duçurada”, já traduzia, na plateia da Reitoria, a alegria da participação da Ufba no Fórum. Engrossava o coro dos que ovacionaram, com muita música, os homenageados. Integravam ainda a mesa, além dos cientistas Zilton Andrade e Sônia Andrade, a professora Inaycira Falcão e a irmã Maria Nídia dos Santos, representando a família do Mestre Didi. O vice-reitor, Paulo Miguez, e a ex-reitora Eliana Azevedo, também integraram a bancada, presidida pelo reitor João Carlos Salles.
Bem no espírito do evento, o protocolo foi quebrado com uma apresentação, antes do Hino Nacional, de uma saudação aos "ojés" (ancestrais de religião de matriz africana) por parte dos membros do Terreiro Ilê Axé Axipá, uma das principais fontes de inspiração de Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi. Pela Ufba, foi o professor Marcos Aurélio Luz, da Faculdade de Educação, quem proferiu o discurso em homenagem ao artista plástico e sacerdote, que morreu em outubro de 2013: "Foi um dos grandes líderes que reposicionou a tradição da ancestralidade da religião africana no Brasil", definiu, encerrando com um canto em homenagem a Ogum. Professores da Escola de Belas Artes entregaram flores às filhas do homenageado.
Os professores Zilton e Sônia Andrade também receberam flores, em mais um reconhecimento da importância do trabalho dos dois para a ciência baiana. Os avanços obtidos pelas pesquisas na Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), bem como a contribuição dos professores na formação de gerações de médicos e pesquisadores na área de saúde da Ufba, foram destacados pelo professor Luís Fernando Adan, diretor da Faculdade de Medicina. "São, sem dúvida, exemplos de cidadania e dedicação à produção científica e que continuam, com suas descobertas, contribuindo para o avanço das pesquisas em nossa universidade", disse.
"Assistir as aulas deles era uma honra, um diferencial", completou o professor Mitermayer Reis. "Agradeço a minha companheira de carreira e da vida inteira", disse Zilton Andrade. "Só temos a agradecer pela deferência que nos faz a Ufba, coroando nossa carreira científica. Muita luz à Ufba, ao Fórum Social e à democracia", completou, sendo novamente aplaudido de pé.
Fotos de João Alvarez (cerimônia) e Dario Guimarães Neto (cortejo)