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Livro publicado pela Edufba vence prêmio Thomas Skidmore

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A Obra “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista”, de autoria de Luciana da Cruz Brito, publicada pela Editora da UFBA (Edufba), venceu a última edição do prêmio Thomas Skidmore, promovido pelo Arquivo Nacional e pela Brazilian Studies Association (BRASA).  É a primeira vez que uma obra da Edufba, escrita por uma historiadora negra, graduada pelo curso de História dessa Universidade, conquista a premiação que sempre destaca temas brasilianistas.
 
A autora, que atualmente é docente na Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), elaborou uma análise da escravidão e do racismo na sociedade baiana do século dezenove, a partir de um olhar sobre a lei da abolição do tráfico negreiro (1831) e da repressão aos africanos libertos, após o levante dos Malês (1835), revelando movimentações do povo negro que suscitaram diversos temores em seus senhores. Subsidiada por documentos oficiais do Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB), Brito verificou que esses medos mobilizaram leis, juristas e a sociedade para legalizar ações que vão desde perseguições, violência policial, ações jurídicas e deportações que tinham por objetivo controlar e punir a população africana da Província.
 
Desse modo, a docente constrói um paralelo para entender os sentidos atuais dos debates sobre encarceramento, extermínio, judicialização, exclusão da juventude negra nas cidades brasileiras com a situação da Bahia oitocentista, marcada por revoltas e mobilizações escravas, na cidade de Salvador, um dos maiores centros urbanos escravista desde o fim do século XVIII.   Ao analisar o “lugar social” do negro na Bahia dos anos de 1800, a obra destaca sua importância sociológica e histórica ao apresentar situações que ainda estão na pauta dos debates atuais, dados os “contextos,  personagens, sentidos e símbolos”.
 
Observando o recorte de um período distante há mais dois séculos, ela já identifica a diversidade de Salvador como cidade negra, “essencialmente africana” e com uma “atmosfera de repressão, truculência e controle social”.  As pressões daquele momento eram marcadas, principalmente, pela luta contra a falta de garantia e de direitos negados aos africanos libertos na Bahia imperial e de como eles tensionavam a sociedade escravista para viver melhor e afirmar suas vontades, segundo o livro que foi publicado pela Edufba, em 2016.  Para a autora, a obra “faz parte de uma tradição historiográfica preocupada em entender, e chegar o mais perto possível, a realidade dos escravizados e libertos e que viviam sob o estigma da escravidão”.  “É um livro sobre lutas na tentativa de garantir uma vida digna, livre e autônoma por isso, carrega em si um significado político atual, pois também vivemos num momento de disputa pelas narrativas históricas”, disse.
 
 
A premiação
 
O Prêmio Thomas Skidmore é promovido pelo Arquivo Nacional e a Brazilian Studies Association (BRASA) e homenageia o brasilianista norte-americano e professor emérito da Brown University. Nessa 3ª edição, a iniciativa acolheu obras publicadas em língua portuguesa entre os anos de 2013 a 2017 sobre a temática da questão racial no Brasil.  O tema da edição de 2018 foi a questão racial no Brasil, tendo como correspondência outra obra clássica de Thomas E. Skidmore, cujo título é “Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930)”, fruto de estudo pioneiro realizado por Skidmore, nos anos de 1970.  Além disso, as obras concorrentes também deveriam apresentar conteúdo autoral e de interesse internacional.
 
Nesta edição, 25 obras tiveram as inscrições validadas e a obra vencedora, “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista”, foi anunciada pela comissão julgadora do prêmio e publicada no  Diário Oficial da União, no último dia 17 de abril. A cerimônia de premiação não aconteceu, mas o livro receberá um financiamento no valor de US$5.000 (cinco mil dólares), custeado pela BRASA, para ser publicado também nos Estados Unidos da América.
 
A primeira edição do prêmio, em 2010, teve como tema o período de 1930 a 1964, que correspondia ao primeiro livro de Thomas E. Skidmore denominado “De Getúlo a Castelo Branco”, publicado nos Estados Unidos como “Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in Democracy”. Na edição de 2013, a temática do prêmio foi inspirada na obra de Thomas Skidmore “Politics of Military Brazil”.
 
 
Sobre a autora
 
Luciana da Cruz Brito é professora do colegiado de História da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).  É doutora em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP), onde apresentou a tese “Impressões norte-americanas sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil escravista” que recebeu menção honrosa do Prêmio Capes de Teses 2015.  Possui mestrado em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e é licenciada em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).   Atua na área de história atlântica, com ênfase em história da escravidão nos Estados Unidos e Brasil. Seus principais interesses são história da escravidão e abolição nas américas numa perspectiva transnacional e comparada, sobretudo entre estes dois países.
 
Luciana Brito conversou com o Edgardigital sobre seu livro premiado, impressões e projetos futuros:
 
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ED: O quê a conquista desse prêmio significa para a senhora, já que tem uma trajetória particular como mulher negra, nordestina, de classe popular e egressa do curso de História da UFBA?
 
LB: Significa uma importante conquista e reconhecimento do meu trabalho como pesquisadora. Foi uma investigação densa nos documentos do Arquivo Público do Estado da Bahia, associada à leitura de referências bibliográficas sobre o tema, além de um longo e difícil processo de escrita.  Quanto à minha trajetória, o prêmio é importante porque celebra a função da educação e da universidade pública para o país. Quanto mais diversa e inclusiva a universidade for, mais a sociedade e a produção intelectual brasileira ganham. É por isso que devemos defender as instituições públicas de ensino superior, porque elas podem promover democracia e igualdade, ou do contrário, aprofundam-se as desigualdades.
 
ED: Em sua opinião, quais pontos podemos destacar em sua obra, como responsáveis pela apreciação da comissão julgadora que conferiu-lhe a premiação Thomas Skidmore?
 
LB: Eu conheço alguns dos trabalhos com os quais concorri e são obras incríveis, baseadas em pesquisas escritas por autores e autoras maravilhosas. Digo isso porque acredito que não foi fácil para a comissão julgadora tomar uma decisão. No caso do meu livro, acho que, no momento atual, uma parcela da população brasileira quer entender as desigualdades, o racismo e a dinâmica do poder e suas origens históricas, o que está ligado à escravidão. As reflexões e debates que promovo no livro e as fontes históricas que utilizo para tal, nos ajudam a encontrar algumas dessas respostas.
 
ED: O seu livro lança olhar sobre a Bahia oitocentista, marcada por perseguição à população negra, como registram os documentos citados.  A senhora pode fazer uma comparação com os dias atuais?
 
LB: A história sempre nos faz refletir sobre o momento em que vivemos. O que nos interessa na história e as interpretações que fazemos sobre a experiência humana são orientadas pelas demandas sociais e políticas de hoje. Portanto, em “Temores da África”, acho que podemos fazer duas reflexões importantes sobre os dias atuais. Uma delas é sobre cidadania. A fragilidade da condição da população africana que vivia na Bahia, na primeira metade do século XIX, se dava pelo fato de não ter cidadania, uma vez que ficou excluída desse direito na Constituição do Império de 1824.  Assim, por mais que procurasse a justiça e provasse sua inocência quando era acusada de envolvimento em revoltas ou crimes, pouco ou nada adiantavam as súplicas.  Mas nós perguntamos: e agora que vivemos nossa sociedade em que todos são cidadãos, em quais bases as desigualdades se sustentam? Na diferença racial? Na pobreza? Na violência contra mulheres?
 
A outra coisa que essa história nos mostra é sobre o impacto das leis que visam promover o controle social das chamadas “classes perigosas”. A lei de 1835 tinha um alvo, que era os africanos, e de arrasto, muitos afro-brasileiros devem ter sido afetados e viveram suas vidas em constante estado de alerta, já que o estigma da escravidão e do “perigo africano” pairava sobre toda a população negra.
 
ED: Do seu ponto de vista como historiadora, a senhora vê mudanças positivas ou negativas em relação à Bahia dos dias atuais?
 
LB: Ainda hoje, sem mencionar nada sobre cor da pele, a justiça criminal e as políticas de segurança têm o mesmo alvo, que historicamente é a população negra.  Às vésperas da aprovação de um “pacote anti-crime”, criado no contexto de uma agenda ultraconservadora, sabemos o que está em jogo: a vida e a liberdade das pessoas negras. A criminalização do cotidiano reforça a ideia de um tipo “suspeito”, que é negro ou negra. Essa desvalorização da vida das pessoas, enquanto cidadãos e cidadãs livres e dotadas de direitos, é algo que podemos perceber ainda hoje, num país que insiste em manter os laços com o sistema escravista.
 
ED: Está trabalhando em algum novo livro, no momento?  Qual a temática?
 
LB: Sim, estou trabalhando num segundo livro que será lançado em breve. Seu nome é “O contraponto brasileiro: impressões norte-americanas sobre escravidão, abolição e relações raciais no brasil escravista”. Nessa obra, analiso como a escravidão, a liberdade e as relações raciais no Brasil do século XIX eram vistas por diversos setores da sociedade estadunidense. Investiguei as impressões de viajantes norte-americanos, cientistas, abolicionistas negros e sulistas que fugiram do Sul dos EUA no pós-Guerra Civil. Temas como a cidadania e a inserção social dos libertos, a mistura racial e a própria escravidão eram aspectos que chamavam muito a atenção dos estadunidenses por motivos diversos.  Na obra, discuto como o exemplo brasileiro foi importante para que a sociedade estadunidense se percebesse como uma nação excepcional (e superior) no continente americano. Nessa construção de uma narrativa de superioridade sustentada na diferença, entender as políticas raciais dos dois países, durante e após o período escravista, nos ajuda e compreender as diferenças, mas também os pontos onde as histórias do Brasil e dos Estados Unidos se encontram.