“Educação integral é um outro jeito de viver a vida.” A afirmação da pedagoga Jaqueline Moll – que integrou o Ministério da Educação e participou da construção de programas e projetos para a democratização da educação – demonstra a essência das reflexões que aconteceram no II Seminário Nacional de Educação Integral, que reuniu educadores e autoridades educacionais de todo o país, na Universidade Federal da Bahia, nos dias 4 a 6 de setembro. As atividades acadêmicas e artísticas foram realizadas com o intuito de renovar as discussões em torno da temática, ante à aprovação da recente Lei nº 14.640, de 31 de julho de 2023 que institui o Programa Escola em Tempo Integral, alterando legislações anteriores.
Logo na cerimônia de abertura do evento, na noite do dia 04, o reitor Paulo Miguez reafirmou “o compromisso da Universidade Federal da Bahia com a educação integral, particularmente com a formação de professores, através dos seus vários cursos de licenciaturas. Só a educação nos salvará, mas educação é muito mais que transmissão de conhecimento”, defendeu Miguez, apontando para a “direção de uma educação que seja, fundamentalmente, construtora de cidadania e defensora da democracia, porque só na educação é possível formar um capital cultural, que nos municie das condições indispensáveis para enfrentar toda manifestação autoritária, nesse país”.
Com o mesmo pensamento, o representante do Ministério da Educação (MEC), Alexandre Santos, acredita que "planejar uma educação integral para jovens, crianças e adultos nas escolas públicas é uma resposta permanente à disposição autoritária instalada na sociedade brasileira e um esforço pela democratização dessa sociedade”. Para o professor Santos, a busca por esse modelo de educação precisa estar calcada em reflexões como a existência de “uma tensão permanente que marca a nossa história, como: 'qual o projeto e nação que nós queremos?' e 'queremos uma sociedade autoritária ou pautar um projeto de educação democrático e inclusivo para o país?'".
De acordo com Santos, foram essas considerações que levaram à inserção do tema da educação integral na pauta de discussões do Ministério da Educação, buscando dar centralidade ao assunto na política nacional. “Este é um encontro para ressignificar a educação no país. Até porque nenhuma educação que não seja integral faz sentido”, disse o enviado pelo MEC, ressaltando que, nem sempre, “educação integral significa, necessariamente, falar de extensão do tempo da jornada escolar. É desejável, mas mesmo quando crianças, jovens e adultos frequentam jornadas parciais, eles têm direito a uma educação integral e integradora”.
“O Estado Brasileiro tem uma dívida com os estudantes, devido à Lei de Diretrizes de Bases (LDB), que há 27 propõe educação integral de sete horas para o nível fundamental do ensino” e ainda não alcançou a meta", lembrou o professor Heleno Gomes Filho, também presente na mesa de abertura do evento. Para ele, também é preciso “estendê-la para o ensino de nível médio”.
“Não é mais tempo para fazer provas e selecionar melhor quem vai servir melhor ao capitalismo. É para todo mundo viver com mais qualidade”, defendeu a pedagoga e professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul Jaqueline Moll, na mesa “Política nacional de educação integral em tempo integral, aprendizagens históricas e perspectivas atuais”. “Mas o tempo integral não se restringe só à escola. O tempo integral, é o tempo da vida, o tempo da escola, o tempo da comunidade”, observa Moll, que foi diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica no MEC. Para ela, “a educação integral tem que ser ao longo da vida; que coloca as políticas públicas em diálogo, porque sem interseccionalidade não se avança”.
Confira na íntegra, como foi a abertura e primeira mesa do evento “Política nacional de educação integral em tempo integral, aprendizagens históricas e perspectivas atuais”: https://www.youtube.com/watch?v=Go4DLxCTtN4
Educação integral na universidade
Não só educação integral nos níveis básicos, “mas também a educação integral universitária, por isso, é necessário que as universidades também repensem seu papel na educação integral”, disse o diretor da Faculdade de Educação da UFBA, professor Roberto Sidnei Alves Macedo, na mesa “Campos, Aldeias e cidades que educam: territórios de viver, aprender e transformar”, realizada na manhã de 05/09. Nesse sentido, ele chamou atenção para uma supervalorização apenas dos currículos, mas voltar o olhar para o desenvolvimento dos saberes sóciotécnicos singulares, em cada área do conhecimento para a “reconstrução de uma educação democrática”.
“A formação atual das licenciaturas está na contramão da educação integral, pois têm uma perspectiva tecnicista e pragmática. Não está preparada com um caminho metodológico para desenvolver o conhecimento cognitivo dos estudantes”, disse a representante da Associação Nacional pela formação dos Professores da Educação (Afope), professora Suzane da Rocha Gonçalves. Ela ressaltou que, para tanto, é necessário que “o caminho entre a teoria e a prática seja equilibrado e isso precisa ser enfatizado na formação inicial e continuada dos professores. Segundo Gonçalves, certamente, este é um desafio para os formadores dos professores – as universidades.
O vice-reitor da UFBA Penildon Silva Filho pontuou a necessidade de as universidades superarem alguns limites e dar o valor e respeito que a educação básica merece. Ele citou a recente inclusão dessas instituições no teto do orçamento de gastos do Governo Federal, como um começo desse processo”, durante a mesa “Articulação intersetorial para a efetivação de uma política de educação básica integral e integrada ao território”, realizada na tarde de 05/09.
Ao final do II Seminário Nacional da Educação Integral, na mesa “Educação, arte e cultura: Intersecções e concepções na educação integral”, docentes das áreas da música, dança, artes e teatro, realizaram um debate enfatizando a educação focando o corpo integral, sem “a ideia de separação do corpo e mente, mas sim como um conjunto integral”, conforme afirmou o diretor da Escola de Dança da UFBA, Antrifo Ribeiro Sanches Neto. Daí, o pensar na construção de um currículo que seja capaz de atender a esse corpo, precisa levar em conta a cultura e a arte como “campo de conhecimento”.