A defesa da democracia e da autonomia universitária foram temas centrais na abertura do primeiro curso da disciplina FCH436 Tópicos Especiais em História – “O Golpe de 2016 e o futuro da Democracia no Brasil” que começa a ser ministrada na Universidade Federal da Bahia, neste primeiro semestre de 2018. A atividade contou com a participação do professor da Universidade de Brasília (UnB), Luiz Felipe Miguel, que deu a aula inaugural, explanando fatos recentes do contexto sócio-político brasileiro e enfatizando a necessidade de as universidades debaterem e refletirem sobre esses acontecimentos, durante o evento realizado na quinta-feira, 5 de abril, no auditório Raul Chaves da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, no campus de São Lázaro.
Na mesa de abertura da aula-ato, o reitor João Carlos Salles, dirigindo-se aos professores, estudantes e representantes de diversos segmentos sociais que lotavam o salão, ressaltou que “reconhecer o direito ao oferecimento dessa disciplina numa universidade pública e federal é um sinal claro do compromisso da UFBA com os seus valores mais elevados e como espaço de resistência e reflexão”. Acrescentaria mais adiante, referindo-se às tentativas de se impedir que a disciplina fosse ministrada, que “a contestação com violência revela a ignorância de como o conhecimento é produzido”. O professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, Carlos Zacarias Sena Junior, o responsável pela disciplina, observou que “não haveria necessidade de realizar um ato em favor da democracia e da universidade se ambas não estivessem ameaçadas. E é exatamente porque vivemos tempos difíceis e incomuns que propomos essa disciplina com o objetivo de refletir e debater”.
Para a professora Maria Hilda Baqueiro, diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), sede do Colegiado de Ciências Sociais que abriga a disciplina, os estudos que serão realizados ao longo do semestre manterão a “tradição dacasa como área de reflexão crítica sobre a realidade. Olhando e pensando sobre o hoje para então construir as possibilidades do amanhã”. A professora do Departamento de Sociologia da mesma unidade, Graça Druck afirmou que a iniciativa inédita em ofertar a disciplina amplia a diversidade política e promove a unidade nas concepções, pois o curso também abre-se à participação de extensionistas, vindos de vários setores da comunidade externa, além dos alunos regulares da UFBA. Ao lado do professor Zacarias, a professora Graça coordena a extensão da disciplina.
De natureza optativa, a disciplina FCH436 – Tópicos Especiais em História: “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” teve sua criação inspirada em curso homônimo, lançado pelo professor da UnB, Luis Felipe Miguel com objetivo de analisar fatos históricos recentes e “investigar a agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades e a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil”, segundo a ementa. Depois que o exercício da livre docência foi ameaçado, o caso ganhou ampla repercussão e levou cerca de 50 universidades de dentro e fora do país a adotar o conteúdo programático, o professor Zacarias, convidou o idealizador da cátedra para falar aos seus estudantes.
O professor Zacarias observou que o espaço da disciplina será aberto ao pensamento contraditório e que todos os questionamentos serão legítimos. “Temos 23 professores convidados para ministrar as aulas e com adaptações necessárias, eles observarão o programa proposto por Miguel, inclusive a bibliografia recomendada”.
A participação do público se deu com aplausos, poesias e pronunciamentos franqueados. Entre eles, o tema comum era a defesa da democracia, da universidade e a importância do curso que estava iniciando, principalmente depois da decisão do Juiz da 16ª Vara Federal, Iran Esmeraldo Leite, que indeferiu o pedido de liminar, feito pelo vereador Alexandre Aleluia (DEM), que sob o argumento de que a disciplina estaria sendo utilizada para fins político-partidários moveu uma ação popular contra o professor Carlos Zacarias e contra a UFBA, numa tentativa de impedir que o curso fosse dado. O auditório comemorava a oportunidade para realizar a discussão ampla e plural de ideias sobre momentos históricos importantes, no “lugar ideal que é o ambiente acadêmico”.
Resistência contra o retrocesso
A preocupação de que “estamos voltando décadas”, “vivemos momentos de retrocesso” e de que atos recentes do cenário político nacional “rasgam a Constituição” e “sobrepõem-se ao texto de 1988 ”permeou a fala do professor da UNB, Luiz Felipe Miguel, durante a aula inaugural ministrada na segunda parte do evento. Miguel lembrou a objeção que sofreu, simplesmente por propor a disciplina que cumpre a razão de ser da universidade: debater com a sociedade o momento em que estamos vivendo. Esse é o “grande desafio”, acentuou.
Na visão do professor, a perda paulatina de espaço da civilidade requer “uma resposta à altura daquilo que estão nos subtraindo”. Ao contextualizar sua análise, ele enfatizou quatro eixos que revelam o processo de retrocesso evidenciados pelos últimos acontecimentos em relação à Constituição Federal promulgada em 1988: o rompimento da democracia como regime político; a ressignificação dos direitos como se fossem privilégios; o avanço do arbítrio e o projeto de construção de uma sociedade que legitima a desigualdade social. Por isso, ele assegurou veementemente que é preciso “reforçar a interlocução com os diversos campos sociais a fim de promover uma resistência popular no Brasil”.