Um grupo de estudantes da escola técnica em agroecologia Luana Carvalho, do assentamento rural Joseney Hipólito, em Ituberá/BA, participou de uma visita aos campi da UFBA na quinta-feira (26). A iniciativa faz parte de um projeto coordenado pela professora Maria Caputo, do Instituto de Humanidades Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC), através da Ação Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) ‘Promoção da Saúde e Qualidade de Vida’.
A visita dos estudantes do Assentamento à universidade é fruto desse projeto, que tem como objetivos a promoção da saúde, a formação de redes solidárias, o empoderamento das comunidades em seus territórios. A ACCS também tem a finalidade de auxiliar na preparação desses estudantes para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Em visita à Reitoria, após a entrada no Salão Nobre, a coordenadora do projeto falou ao grupo que muitas formaturas acontecem naquele espaço em que as pessoas recebem os seus diplomas. E conclamou aos estudantes: “Da próxima vez que vocês entrarem aqui será para pegar os seus diplomas”. Depois eles seguiram para conhecer as unidades de ensino e passaram pela Faculdade de Comunicação, pelos Institutos de Biologia e de Matemática. À noite, acompanharam a estreia do espetáculo teatral Gusmão - O Anjo Negro e sua Legião, encenado pela Cia de Teatro da UFBA, no Teatro Martim Gonçalves.
A peça é uma homenagem ao ator e dançarino Mário Gusmão, primeiro negro a se graduar pela Escola de Teatro da UFBA. “Os estudantes ficaram impactados com espetáculo, sobretudo pela temática abordada com a qual se identificaram. Emocionaram-se bastante e alguns até choraram. Eles nunca tinham ido ao teatro e aproveitaram para gravar as cenas para exibir para a comunidade na volta”, disse Maria Caputo.
O grupo, que está hospedado na residência universitária da Vitória, segue em Salvador até o domingo. A experiência seguirá com visitas guiadas a todas as demais unidades de ensino da universidade. A estudante Ana Paula Amaro, 20 anos, que está se preparando para fazer o Enem neste ano, revelou o desejo de fazer o curso de odontologia. “Meu sonho é concluir a formação nessa área e depois retornar para ajudar a minha comunidade”, disse.
Já Felipe Santos Barbosa, 19 anos, disse que sonha em cursar Medicina e que a atividade do projeto de extensão o incentivou mais ainda a persistir seus sonhos " Os professores e os alunos que foram lá me encorajaram, eles acreditaram em mim e disseram que tenho capacidade de conseguir. Espero passar no Enem esse ano, entrar na universidade e poder compreender mais o mundo, me aperfeiçoar e aprimorar meus conhecimentos", contou Felipe que disse estar muito feliz com a oportunidade de visitar a Universidade.
O vice-reitor da UFBA Paulo César Miguez falou sobre a relevância da UFBA no desenvolvimento do Estado e citou exemplos ex-alunos formados pela instituição como Gilberto Gil e Glauber Rocha. “Veja a importância dessa casa que tanto nos orgulha. Apesar das dificuldades, continuaremos nos esforçando para garantir que a universidade será sempre um lugar para a construção do conhecimento e a formação de cidadãos. Será um imenso prazer termos vocês logo mais como estudantes da UFBA”.
“Nos últimos 10 anos, as políticas de Ações Afirmativas mudaram completamente a cara da universidade, que passou a ter a cara da cidade de Salvador e do Estado da Bahia. Somos de uma cidade formada em sua maioria pela população negra, que passou a fazer parte da universidade”, disse o vice-reitor.
Miguez também falou sobre as ações de assistência estudantil: “É um conjunto de programas que é uma grande ajuda para os estudantes que têm fragilidade econômica. Isso não é um favor, é uma obrigação do Estado brasileiro que deve assegurar as condições para o desenvolvimento de seus cidadãos. E a educação é o melhor meio para isso”, finalizou.
Em seguida, a coordenadora de programas de assistência ao estudante, da Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (PROAE), Juliana Marta de Oliveira, apresentou as modalidades de assistência, como auxílio moradia, alimentação e saúde, através das quais os estudantes podem acessar as residências e os restaurantes universitários, utilizar os serviços de transportes do Buzufba, assim como pleitear recursos para materiais de estudos, xerox, aquisição de óculos, medicamentos, etc. “A questão não é só entrar na universidade, é preciso assegurar as condições de permanência”, afirmou.
Juliana enumerou outros benefícios como o serviço de creche para os filhos e filhas da comunidade universitária, as possibilidades de intercâmbio em outros países e também ressaltou que os estudantes têm a chance de participar de projetos de pesquisas e receberem bolsas de estudos através de editais como o Permanecer e Sankofa.
O coordenador da escola técnica, Obede Souza, ressalta que a consolidação da instituição de ensino deve-se à luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), resultando da marcha organizada no ano de 2009, de Feira de Santana a Salvador, com o propósito de reivindicar, entre outras coisas, a implantação de escolas em assentamentos rurais. O MST participa da gestão da escola junto com a comunidade local e é responsável pela indicação dos professores, muitos deles oriundos de assentamentos rurais. O projeto é desenvolvido em parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), a Secretaria Estadual de Educação da Bahia e a Secretaria Municipal de Ituberá.
De acordo com Obede Souza, foram fechadas mais de 20 mil escolas do campo nos últimos anos. Diante disso é necessário um enorme esforço do movimento social para manter essas escolas em funcionamento e para conseguir a construção de novas unidades. “Quando o movimento ocupa uma terra, a primeira preocupação no dia seguinte é construir uma escola para as crianças estudarem. Isso representa um acúmulo pedagógico que precisa ser colocado em prática”.
Ele ressalta que o funcionamento das escolas do campo tem amparo legal através do decreto 7.392, de 2010, que dispõe sobre a política de educação do campo. E também afirma a importância de assegurar a contextualização do conhecimento ao lugar a seguimento social ao qual pertencem os estudantes. “Antes de entender as relações de poder na Europa, é preciso entender as relações de poder no lugar em que se vive. Estuda-se muitos os reis e rainhas da Idade Média, mas os camponeses são esquecidos”, diz o coordenador.
“É muito difícil o povo do campo acessar o ensino superior. Não faz parte da realidade dos filhos dos camponeses serem alunos universitários. A questão central é fazer com que essa juventude possa fazer parte da universidade pública de qualidade”, disse ele, que destacou a importância do movimento popular ter parceiros com a relevância da UFBA para poder viabilizar os seus objetivos.